A propósito da Utilização Permanente das Bases Aéreas Militares por aeronaves civis.

Pela sua importância para o esclarecimento e debate, aqui se inclui um importante contributo do companheiro Luís Chucha.

O tema da “utilização permanente” de Bases Aéreas da Força Aérea Portuguesa (FAP) por aeronaves civis, está na ordem do dia, tudo o que seja Base Aérea seja no Montijo, seja em Alverca, seja em Monte Real, pode ser capturado e talvez concessionado. Devido a um rebuscado argumento de um crescimento do tráfego, e uma presumida limitação da capacidade dos aeroportos portugueses.

Esse argumento foi reforçado em 2012 pela ideia peregrina da quase impossibilidade de construir novas infraestruturas aeronáuticas face á conjuntura económica, argumento político, pois todos os gestores aeronáuticos sabem que os aeroportos de raiz se pagam a si próprios. Passou-se então de uma utilização com alguns “apoios operacionais” a aeronaves civis para a ideia de captura das infraestruturas de Bases Aéreas por uma multinacional que, tendo-se tornado Concessionária de aeroportos portugueses por 50 anos, viu aí um layout interessante, perante a complacência daqueles que deveriam preservar a nossa soberania.

Assim promoveu-se a ideia de que para a satisfação da procura dos aeroportos nacionais, se impunha a necessidade de identificar soluções alternativas que podiam passar não só pela utilização de infraestruturas existentes, nas quais se incluiriam as Bases Aéreas, mas também na sua própria transformação em Aeroportos civis, como estão a tentar fazer na Base Aérea nº 6 no Montijo.. A utilização das Bases Aéreas para efeitos de operação permanente de aeronaves civis, i.e., a utilização partilhada, existe em Portugal á muitas décadas, contudo num contexto de partilha e em casos especiais como a Base Aérea nº4 nas Lajes Açores e o Aeródromo de Manobra nº 3 em Porto Santo onde está justificada a necessidade face ao facto de ser necessário a ligação inter ilhas e a própria ligação desses arquipélagos ao Continente.

Em 2002 o governo de Durão Barroso promoveu a ideia da Construção de um Terminal Aeroportuário Civil em Beja, em terrenos adjacentes á Base Aérea nº11. O racional seria semelhante ao já existente na BA4 e no AM3.

O enquadramento legal sustentou este projeto justificado com a desertificação do Alentejo e com o presumido aumento da procura face á incapacidade dos aeroportos.

Vários organismos internacionais entre os quais o European Organization for the Safety of Air Navigation, EUROCONTROL, (2009b, p. 4) enfatizava que de acordo com os seus relatórios, não obstante a adaptação dos aeroportos, a procura seria no futuro de tal forma significativa, que em 2030, 11% dos voos dos países da ECAC (European Civil Aviation Conference) não poderiam ser acomodados, pelo que a necessidade de identificar e implementar soluções exequíveis para a resolução do problema das capacidades dos aeroportos, que ofereçam uma acomodação da procura esperada nos próximos anos de forma segura e eficiente, se demonstra fortemente necessária.

Contudo essas soluções, segundo a ECAC só poderiam oferecer uma capacidade extra por recurso a infraestruturas e serviços existentes, desde que fosse assumido que a prioridade seria a utilização para fins militares e que a utilização civil aconteceria na capacidade sobrante, caso esta exista e possa ser disponibilizada. A relocalização de determinadas categorias de voos civis (low cost, aviação geral, aviação executiva ou transporte de carga) poderia contribuir para um alívio dos aeroportos maiores com consequente disponibilização de uma maior capacidade, com maior captação de voos. (EUROCONTROL, 2009b, p. 5

Nesta perspetiva Portugal foi encorajado a convergir para a Smart Defence. Este conceito foi apresentado pelo Secretário-geral da NATO, o Sr. Rasmussen (NATO, 2011), da seguinte forma: “ensuring greater security, for less Money, by working together with more flexibility” Segundo a NATO (2012): “In these times of austerity, each euro, dollar or pound sterling counts. Smart defence is a new way of thinking about generating the modern defence capabilities the Alliance needs for the coming decade and beyond. It is a renewed culture of cooperation that encourages Allies to cooperate in developing, acquiring and maintaining military capabilities to undertake the Alliance’s essential core tasks agreed in the new NATO strategic concept. That means pooling and sharing capabilities, setting priorities and coordinating efforts better.” Medidas de partilha de infraestruturas, como a utilização de Bases Aéreas para a operação de aeronaves civis, inscrevem-se no conceito de Pooling and Sharing de capacidades que a NATO que apontavam para um vetor da Smart Defence.

Era um racional de “utilização” só justificado face á pertinência da utilização de determinada Base Aérea para a operação de aeronaves civis, mas só depois de efetuado um estudo custo-benefício que confirma-se a sua viabilidade justificando a adequabilidade da solução. E a solução seria adequada, se para além de economicamente vantajosa, fosse física, técnica, operacional, social e ambientalmente apropriada.

Todavia, não foi isso que aconteceu na escolha da Base Aérea de Beja para a operação de aeronaves civis. De acordo com as orientações para o sistema aeroportuário nacional, o aproveitamento das infraestruturas da Base Aérea para o desenvolvimento do Aeroporto de Beja, inicialmente justificado com base na procura gerada pelos empreendimentos turísticos no Alentejo a médio e longo prazo e na possibilidade de criação de outros negócios (e.g. aeronáutica, manutenção e escolas), dificilmente viu justificada a sua viabilidade. (MOPTC, 2006, pp. 17-18). Neste pressuposto tal iniciativa nunca deveria ter acontecido porque desvirtuou os princípios que deviam reger a adoção deste tipo de soluções, contudo, sendo esta uma realidade e na expetativa de que o projeto não se transformasse num fracasso total o mesmo relatório sentenciava, à guisa de orientações estratégicas específicas para esse Terminal Civil, a necessidade do desenvolvimento gradual em função da concretização e da rentabilidade dos negócios aeroportuários que o justificassem e complementassem (MOPTC, 2006, p. 21).

Considerou-se importante fazer esta ressalva para que, de futuro, quanto a este aspeto (análise custo-benefício) este não seja considerado um bom exemplo e que estas não sejam assimiladas como boas práticas, lamentavelmente veio a verificar-se ocorrência pior ainda com o Montijo. Em Beja a falta de sustentabilidade da viabilidade económica ocorreu de tal forma que o processo se arrastou durante quase 15 anos (desde junho de 1998, até janeiro de 2013), envolveu cerca de 115 técnicos (conforme apurado durante as entrevistas) e custos que ascendem aos 37 milhões de € (TC, 2010, p. 17 e ANA, 2013 p. 3).

Face ao supracitado fácil é entender o seguinte:

Não existe em Beja um “Aeroporto”, mas sim um Terminal Aeroportuário Civil (não obstante alguém ter autorizado a inscrição na porta do terminal aeroporto, da designação Aeroporto de Beja), e é essa pequena infraestrutura que está concessionada no Contrato de Concessão aeroportuário. O TERMINAL de Beja está edificado junto da Base Aérea n.º 11 (BA 11) da Força Aérea Portuguesa, com a qual partilha as pistas e a capacidade operacional aeronáutica. O aproveitamento para fins civis da Base Aérea n.º 11, ao lado da qual se localiza o TERMINAL, tinha o propósito de constituir uma forma de gerar emprego, fixar população, aumentar o rendimento disponível e, nessa linha, contribuir para atenuar os fortes constrangimentos sociais, demográficos e económicos do território.

Este TERMINAL apresenta diversas supostas particularidades, resultantes do facto da sua justificação não se basear nas necessidades e condições presentes da região, mas em diversos projetos a concretizar a médio e longo prazos, designadamente turísticos, decorrentes dos empreendimentos a edificar em torno do Alqueva. Além da componente turística, presumiram-se diversas potencialidades que o TERMINAL de Beja poderia vir a ter, a prazo, na manutenção aeronáutica, no treino avançado e na carga aérea. Em termos turísticos, o Alentejo é um diamante por lapidar, com diversos elementos de interesse, cujo desenvolvimento poderia depender em grande medida da existência de um Terminal aeroportuário, utilizando os serviços airside da BA11. Todavia, o cenário mais otimista acabou por ainda não se verificar e atualmente a oferta hoteleira é manifestamente escassa no Alentejo em geral, com uma importante presença no litoral alentejano e em Évora, mas ainda muito distante do projetado e praticamente inexistente no Alqueva, onde se depositam mais expectativas em termos turísticos. Neste contexto, temos que enquadrar a valência turística do Terminal de Beja, sobretudo no contexto das dinâmicas regionais emergentes, focando sobretudo o potencial turístico de Alqueva, a fim de perceber a expectável articulação entre o transporte aéreo e a consolidação da matriz turística preconizada para a região.

Contudo não podemos comparar o Terminal Aeroportuário de Beja, a um eventual Novo Aeroporto de Lisboa no futuro, que seria construído em Canha, face aos potenciais destinos turísticos do Alentejo, o NAL de Lisboa é estratégico e terá uma área de influência que poderá captar passageiros de Norte a sul, estimando-se que possa abranger o seu Catchement Area uma população superior a mais 4 milhões de pessoas. As principais infraestruturas de transporte, como os aeroportos, localizam-se sobretudo nas grandes aglomerações populacionais, dado ser aí onde existe uma escala económica, demográfica e turística que as justificam. O Terminal de Beja é nesse contexto um caso particular, uma vez que as características geodemográficas e socioeconómicas da região não estão suficientemente consolidadas para apoiar a infraestrutura.

O Alentejo não tem escala no tráfego outbound, ou seja, tráfego de saída de passageiros, que possa viabilizar o aeroporto. O Terminal de Beja é nesse quadro um caso paradigmático, visto que a região onde se localiza caracteriza-se por ser um território marcadamente de baixa densidade demográfica, com população envelhecida, sem uma rede de cidades com escala e cujo PIB é dos mais baixos em termos comunitários. A consolidação de um aeroporto exige núcleos urbanos com capacidade de atratividade. Atendendo à pequena dimensão das cidades do Alentejo e à sua distância relativa face ao Terminal de Beja, não deverá existir o city effect, pelo que o aeroporto não beneficiará das vantagens económicas e dos efeitos de escala proporcionados pelas aglomerações urbanas. Por outro lado, a qualidade de um aeroporto e a sua influência passam pela integração no território, através de um bom sistema de transportes rodoviários e ferroviários.

Nesta matéria, esta infraestrutura apresenta handicaps ao nível das acessibilidades, que poderão ser problemáticos enquanto a distância temporal face à concretização dos projetos turísticos se mantiver.

Quando se fala num Aeroporto Internacional do Alentejo/Beja, estamos a ter em consideração estas condicionantes?

Ou desconhecemos os lóbis constituídos desde início?

A foto 1 é da BA11/Beja. A foto 2 da BA4/Açores e a foto 3 do AM3/Porto Santo

*créditos do nosso companheiro Luís Chucha (o original pode ser visto na página do Facebook “AEROPORTO COMPLEMENTAR NA BA6 – MONTIJO É UM PERIGO PARA AS POPULAÇÕES”

 

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